Alívio

Às vezes basta

uma cidade estranha,
uma língua estranha e
gente estranha

para nos sentirmos (finalmente) iguais a nós.

(mesmo que seja só por um bocadinho...)




[Estar na Galiza teve o condão de me trazer óptimas recordações. Aquelas de cinco miúdas enfiadas numa tenda ou com a lancheira sempre às costas. Nos tempos em que achávamos que o mundo era nosso.]


A nibs está a pedir nuvens; eu aceito o que vos sair do lápis de cor.
Vá... não é todos os dias que nos oferecem uma tela branquinha, branquinha... divirtam-se!

(é só clicar no link, fazer um belo desenhito com o movimento do rato e depois enviar para sara.o@netcabo.pt. Os melhores (ou piores...) serão publicados daqui a uns dias. Porque este lado nunca está colorido demais.)


Ela olha, envergonhada, pelas frinchas do portão.
Mas só por um bocadinho.
Depois, com o narizinho no ar e trejeitos de senhora,
bamboleia-se na entrada do pátio,
para a frente e para trás.
Baton que escapa dos lábios,
pulseiras que fogem dos braços estreitos
e os sapatos.
Roubados à sucapa do armário da mãe,
grandes o suficiente para caberem mais 3 pezinhos iguais aos dela.

É uma menina com vontade de ser mulher.

E eu a sonhar em voltar a ser menina.


A vantagem de mudar

Há dias assim. A roupa por passar, a garrafa de gás vazia, nenhuma caneca limpa para o pequeno almoço, um pneu furado, o estacionamento impossível.
Aqueles dias em que, como diz o meu pai, com um sorriso maroto,

"há manhãs em que um homem de tarde nem devia sair à noite".

É nesses dias que o mundo fica do avesso.
Eu sei, é só um dia.
Mas esquece que foi só hoje.
Vais dizer-me logo a seguir que fiz o mesmo ontem e na semana passada
E que tens a certeza de que vou repeti-lo assim que possa.
A desordem.
Os dias ao contrário.

Por que é que tudo muda, de repente?
Porque,
sem saberes como,
viraste a chávena de café em cima da alcatifa,
aquela que alguém comprou e tratou e que no outro dia acabou de limpar.

Porque te esqueceste do vidro aberto.
Porque não olhaste com atenção.
Porque deixaste a chave em cima da mesa.

Porque às vezes o mundo dá mesmo um trambolhão.
Só para perceberes que também se pode viver no tecto.

Ou sobreviver.

No tecto vês o mundo como ele te vê a ti.
Sem linhas do horizonte.
Sem pontos de fuga.
Só tu.
No meio de tantos outros tus.
Mesmo com o sangue a subir-te à cabeça
E a nausea a tomar conta de ti,
No tecto é onde, finalmente,
olhas
reparas
e vês.

Quando é que desces?

Quando perceberes quais as coisas que cairam da secretária.
E onde as podes voltar a pôr.
Só aí podes descer.
Quando souberes onde pôr os pés
Num mundo que
quando chegares lá abaixo,
já pouco tem de teu.