Meet la belga

Chama-se Stephanie, mora perto de Bruxelas e chegou a Campobasso no mesmo dia em que nos. Assim que viu as espanholas (nos ainda estavamos em Roma à espera das malas que ficaram em Frankfurt) fez logo questao de avisar que grita durante a noite. Tudo normal, segundo a propria, que grita por tres ou quarto minutos, às vezes corre pela casa e depois volta a dormir. Ajuda psiquiatrica? Nem falar disso, que se passa da cabeça e parte o quarto todo. Se bem que daqui a algum tempo ja nao havera grande coisa para partir, porque os bichos lhe devem roer a madeira toda. Adiante.
Tem uma relaçao muito dificil com os pais, agricultores à moda antiga, donos de 6500 porcos (teve, portanto, uma boa escola...). Os senhores obrigam-na a trabalhar ao fim de semana e é por isso que, antes de vir, preferia ficar sempre na residencia de estudantes onde vivia e onde, uma vez, (conta com uma grande sorriso nos labios) saiam insectos enormes do frigorifico (ja estao a ver a peça...).
Namora com um italiano do Norte, Imperia, que sempre que esta com ela lhe deixa grandes marcas no pescoço (isto deve ter alguma coisa a ver com as marcas que se fazem nos porquinhos....). E' este o seu ponto mais fraco. Sempre que fala dele torna-se uma menina apaixonada e nao sabemos bem o que fazer quando chora (muitas vezes) com saudades do rapaz. E quando digo que nao sabemos bem o que fazer, quero dizer que é perigoso estar perto dela quando se passa. Nas primeiras semanas em Campobasso ligava-me aos berros sempre que se perdia, até eu ter de berrar com ela e lhe dizer para perguntar a alguém onde era a nossa rua e quase lhe bater em casa.
Nao gosta de limpar nem arrumar. Nunca o fez e nao é, segundo ela, quando vem viver para tao longe de casa, que o vai fazer agora. E' por isso que fazemos questao de deixar sempre a porta do quarto dela fechada (nao imaginam o cheiro que de la sai...), um quarto em que nao é possivel ver o chao (repleto de cuecas, meias, papeis, cascas de laranja, camisolas e todas as coisas de quese possam lembrabr) e no qual ja encontramos grandes tesouros, para alem dos "gatos" de cotao, que entretanto ja sao tigres e ja vao dando umas dentadas na mobilia (eles e os bichos da madeira).
No primeiro dia em que lhe dissemos para arrumar a sala de estar (o hall...), fez questao de limpar as janelinhas que estao por cima das portas de cada quarto com a esfregona com que absorvemos a agua do chao da casa de banho, depois do duche. Eu e a Ana quase vomitavamos na cama, ao ver erguer-se o monstro chamado Mopa, com um cabelito ou outro misturado (e aqui estou a ser claramente optimista).
Nao sabe cozinhar e so faz batatas fritas congeladas ou entao saladas que deixam a casa a cheirar mal por dias.
Duvidamos seriamente que tome um banho digno desse nome, uma vez que anda sempre com umas toalhinhas pequeninas (que depois deixa espalhadas na nossa pequenina casa de banho) e so esta la dentro por tres ou quarto minutos (e aqui, definitivamente, nao estou a exagerar...).
Como vai embora na proxima sexta-feira, fizemos-lhe uma festa de despedida no sabado passado, em que apanhou uma bebedeira descomunal (do que se livrou a Ana...). Na rua principal de Campobasso fez-me passar a maior vergonha desde que ca estou, quando, agarrada a mim e à Diana (uma das espanholas que vivem connosco), cantou em altos berros, dançou, meteu-se com uma duzia de rapazes e ainda quis cantar uma serenata a um vizinho que nos detesta porque fazemos barulho. Bem valeram os reflexos da Diana, que, sem mais nada, a agarrou pelo cabelo mesmo na altura em que se preparava para tocar à campainha do velhote. De manha, obviamente, nao se lembrava de nada, especialmente do facto de ter dado uma valente farpola ao lado do Emilio, um italiano que, duvido, volte a falar calmamente com ela (tenham medo, tenham muito medo...).
E' a pessoa mais descontraida que conheço. Nao bate à porta para entrar no quarto dos outros, quando pede permissao para comer alguma coisa que nao é seu ja ha muito esta na boca, mesmo que seja um belo pastel que compramos para dar a um amigo.
Tem o condao de me fazer disparar os nervos, especialmente depois de ter feito de conta que nao havia exame de italiano uma semana mais cedo do que o previsto, so para poder ir para Imperia um dia mais cedo. "Sense!"
Ainda assim, tantas vezes nao consigo deixar de a ver como uma menina pequenina, que caiu de paraquedas num pais que se recusa a conhecer a sua lingua (o pais e nos proprios, que o flamengo é violento pra caraças...) e com uma cultura diametralmente diferente. E' divertida (apesar do humor muito proprio), espontanea (quando arrota) e relaxada (ja se ve...). E apesar de todas as coisas, so queria poder ficar connosco mais um mesito.
Seja como for, vai fazer-nos falta. E posso assegurar que nunca me vou esquecer dela.