Da lembrança
Este ano quero lembrar-me de ti. Sempre. Todos os dias. Mesmo que me digam que isso me prende ao que passou, que me corrói por dentro. Não interessa. Quero lembrar-me de ti. Todos os dias. Só porque tenho um medo terrível de te esquecer, de já não saber ouvir a tua gargalhada, de não reconhecer a tua cara. Tenho medo.
Quero pensar todos os dias na razão porque decidiste ir embora sem avisar. Por que é que não ligaste para não dizer nada, por que é que não nos rimos, só mais uma vez, nós as duas e nós as cinco, de coisas a que só nós achamos piada. Por que é que não vieste, só mais uma vez, limpar as minhas lágrimas que, agora, por causa disso, caem todos os dias. Por que é que não fomos, só mais uma vez, a um sítio qualquer, a saber de antemão que nos íamos perder e que íamos estacionar no lugar errado e, quem sabe, bater com o carro em algum caixote do lixo.
Não percebo, mas só porque não quero perceber - as tuas razões são simples.
Quiseste assim.
Como em tudo o que fazias. Nas coisas mais simples, como nas mais difíceis de resolver. Sempre soubeste o que querias, ao contrário de nós. E ontem quiseste assim. Bem sei que já foste embora há algum tempo. Mas parece-me ontem. É a mesma dor, a mesma ausência. Só muda a lembrança, que vai ficando cada vez maior, cada vez mais acompanhada, cada vez mais presente.
Neste novo ano quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Quero fazer de conta que vais aparecer a qualquer momento, com uma das tuas expressões ou aos saltinhos a dizer "todos!" e a bater palmas. A mandar vir com o mundo e a beber martini, num roupão cor-de-rosa e de chinelinho de quarto. Quero fazer de conta que vou poder ligar-te quando quiser, fazer de conta que só não vou ter tempo ou saldo para te ligar, porque, se tivesse, podia. E tu ias atender e nós iamos tomar um cappuccino ao caffè di roma ou aquele cafézinho novo ao pé da tua casa que tinha cappuccinos bem melhores e muito mais baratos. E vamos rir da cara do dono do café, que parece um desenho animado, e de acharmos tudo tão barato, por nos lembrarmos do que pagávamos em Lisboa, e da Glória, que bateu no passeio ao parar o carro, ou da Ana, que não acertou em mais um provérbio. E tu vais fazer mais um dos teus desenhos da Luísa, desta vez um "Pito Formador", por causa do curso que ela está a tirar e de que tu nunca vais saber. Ou que sempre vais saber porque eu vou fazer de conta que estás aqui. Como sempre estiveste.
Há tantas coisas que te quero dizer. E quando te sonho, tantas vezes, estás ali. Olhas para mim com o mesmo sorriso de sempre e com o mesmo ar transparente, com as emoções e reacções à flor da pele, e ouves. Ouves sempre. Mas não respondes. E ficas longe, muito longe. Por isso é que não gosto de te sonhar. Prefiro fazer de conta que basta ir ter contigo a qualquer lado, não interessa onde, para te contar as mesmas coisas. Para te dizer que se cumpre agora um sonho, que vai acontecer, quando tantas vezes me garantiste isso nos dias em que eu já não queria acreditar. Mostrar-te as coisas que comprei, falar-te dos meus planos, dizer-te como anda o meu coração, na certeza de que terias sempre o mesmo ar, compreensivo e interessado, mas sempre com a piadola na ponta da língua, para nos fazer rir de nós.
Este ano quero lembrar-te. Todos os dias.
E no próximo e no próximo e no próximo. Todos os dias. Mesmo que para isso tenha de ir ver fotos antigas que me façam esquecer a última imagem que tenho de ti, tão pequenina, tão frágil, ali à minha frente, mas tão longe.
Quero lembrar-me de ti no sorriso, nos caracóis, nas lágrimas das despedidas ou dos filmes lamechas, das neuras e das horas de estudo, das coisas que nos tornaram às cinco aquilo que somos hoje.
E é por isso que repito todos os dias o teu nome, para não me esquecer do que significa, e conto a toda a gente as coisas que tu dizias e fazias e que me davam vontade de ser também como tu em tanto do que eras.
E quando choro, porque não sei fazer de outra maneira, quero fazer de conta que me ouves e que me pedes desculpa e dizes que não quiseste partir assim, que éramos felizes, muito felizes, e que me perdoas pelas coisas que não te disse e que te disse e tu não gostaste e pelos dias em que não percebi o que dizias quando ficavas em silêncio.
Mesmo que fazer de conta me canse e me consuma. Prefiro assim. Porque não era suposto ser de outra maneira. Não era suposto que fosses embora, para tão longe, que fizessses, mais uma vez, aquilo que querias, sem nos deixares pegar-te pela mão e trazer-te para perto, onde sempre quisemos estar. Não era suposto não te poder encontrar e dizer-te que tenho saudades tuas, que tenho muitas saudades tuas, e que estás presente em cada palavra, em cada coisa. Não era suposto não te poder dar o despertador que deixaste esquecido lá em casa e as gotas do nariz e o anel que sempre cobicei e que agora sou incapaz de pôr no dedo.
Neste novo ano quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Porque não sei viver de outra maneira.
Este ano quero lembrar-me de ti. Sempre. Todos os dias. Mesmo que me digam que isso me prende ao que passou, que me corrói por dentro. Não interessa. Quero lembrar-me de ti. Todos os dias. Só porque tenho um medo terrível de te esquecer, de já não saber ouvir a tua gargalhada, de não reconhecer a tua cara. Tenho medo.
Quero pensar todos os dias na razão porque decidiste ir embora sem avisar. Por que é que não ligaste para não dizer nada, por que é que não nos rimos, só mais uma vez, nós as duas e nós as cinco, de coisas a que só nós achamos piada. Por que é que não vieste, só mais uma vez, limpar as minhas lágrimas que, agora, por causa disso, caem todos os dias. Por que é que não fomos, só mais uma vez, a um sítio qualquer, a saber de antemão que nos íamos perder e que íamos estacionar no lugar errado e, quem sabe, bater com o carro em algum caixote do lixo.
Não percebo, mas só porque não quero perceber - as tuas razões são simples.
Quiseste assim.
Como em tudo o que fazias. Nas coisas mais simples, como nas mais difíceis de resolver. Sempre soubeste o que querias, ao contrário de nós. E ontem quiseste assim. Bem sei que já foste embora há algum tempo. Mas parece-me ontem. É a mesma dor, a mesma ausência. Só muda a lembrança, que vai ficando cada vez maior, cada vez mais acompanhada, cada vez mais presente.
Neste novo ano quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Quero fazer de conta que vais aparecer a qualquer momento, com uma das tuas expressões ou aos saltinhos a dizer "todos!" e a bater palmas. A mandar vir com o mundo e a beber martini, num roupão cor-de-rosa e de chinelinho de quarto. Quero fazer de conta que vou poder ligar-te quando quiser, fazer de conta que só não vou ter tempo ou saldo para te ligar, porque, se tivesse, podia. E tu ias atender e nós iamos tomar um cappuccino ao caffè di roma ou aquele cafézinho novo ao pé da tua casa que tinha cappuccinos bem melhores e muito mais baratos. E vamos rir da cara do dono do café, que parece um desenho animado, e de acharmos tudo tão barato, por nos lembrarmos do que pagávamos em Lisboa, e da Glória, que bateu no passeio ao parar o carro, ou da Ana, que não acertou em mais um provérbio. E tu vais fazer mais um dos teus desenhos da Luísa, desta vez um "Pito Formador", por causa do curso que ela está a tirar e de que tu nunca vais saber. Ou que sempre vais saber porque eu vou fazer de conta que estás aqui. Como sempre estiveste.
Há tantas coisas que te quero dizer. E quando te sonho, tantas vezes, estás ali. Olhas para mim com o mesmo sorriso de sempre e com o mesmo ar transparente, com as emoções e reacções à flor da pele, e ouves. Ouves sempre. Mas não respondes. E ficas longe, muito longe. Por isso é que não gosto de te sonhar. Prefiro fazer de conta que basta ir ter contigo a qualquer lado, não interessa onde, para te contar as mesmas coisas. Para te dizer que se cumpre agora um sonho, que vai acontecer, quando tantas vezes me garantiste isso nos dias em que eu já não queria acreditar. Mostrar-te as coisas que comprei, falar-te dos meus planos, dizer-te como anda o meu coração, na certeza de que terias sempre o mesmo ar, compreensivo e interessado, mas sempre com a piadola na ponta da língua, para nos fazer rir de nós.
Este ano quero lembrar-te. Todos os dias.
E no próximo e no próximo e no próximo. Todos os dias. Mesmo que para isso tenha de ir ver fotos antigas que me façam esquecer a última imagem que tenho de ti, tão pequenina, tão frágil, ali à minha frente, mas tão longe.
Quero lembrar-me de ti no sorriso, nos caracóis, nas lágrimas das despedidas ou dos filmes lamechas, das neuras e das horas de estudo, das coisas que nos tornaram às cinco aquilo que somos hoje.
E é por isso que repito todos os dias o teu nome, para não me esquecer do que significa, e conto a toda a gente as coisas que tu dizias e fazias e que me davam vontade de ser também como tu em tanto do que eras.
E quando choro, porque não sei fazer de outra maneira, quero fazer de conta que me ouves e que me pedes desculpa e dizes que não quiseste partir assim, que éramos felizes, muito felizes, e que me perdoas pelas coisas que não te disse e que te disse e tu não gostaste e pelos dias em que não percebi o que dizias quando ficavas em silêncio.
Mesmo que fazer de conta me canse e me consuma. Prefiro assim. Porque não era suposto ser de outra maneira. Não era suposto que fosses embora, para tão longe, que fizessses, mais uma vez, aquilo que querias, sem nos deixares pegar-te pela mão e trazer-te para perto, onde sempre quisemos estar. Não era suposto não te poder encontrar e dizer-te que tenho saudades tuas, que tenho muitas saudades tuas, e que estás presente em cada palavra, em cada coisa. Não era suposto não te poder dar o despertador que deixaste esquecido lá em casa e as gotas do nariz e o anel que sempre cobicei e que agora sou incapaz de pôr no dedo.
Neste novo ano quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Porque não sei viver de outra maneira.